REDES SOCIAIS

REDES SOCIAIS

REDES SOCIAIS I

Um casal acaba de se sentar numa esplanada de Moura e pede dois cafés. Satisfeitos os pedidos mergulham no mundo fantasioso que qualquer telemóvel contém. Após uma hora e meia sem desviarem a cara do ecrã e sem trocarem uma palavra, um deles atreve-se a verbalizar: a conta por favor! Pagou, e foram-se embora. A tristeza da cena passou-se em Moura como poderia ter–se passado em qualquer parte do mundo, porque o dilema da internet e das redes sociais é global como global é o seu perigoso impacto nos humanos. Para quem ainda não se deu conta, vivemos hoje num mundo em que uma árvore é mais lucrativa morta do que viva e uma baleia vale mais financeiramente morta do que viva. Enquanto o mundo económico que temos vindo a construir encontre ancoragem nesta forma de funcionamento, não desistiremos de matar as árvores e as baleias, e muito menos de extrair, de forma intensiva, um óleo escuro e espesso do subsolo, apesar de sabermos que estamos a destruir o planeta, e, ainda assim, continuamos indiferentes à herança desastrosa que deixaremos aos nossos filhos e netos em termos ambientais. Esta espiral de funcionamento já nos cegou há muito e, certamente, estamos já perante o último ato em que, oxalá nos faça acordar enquanto civilização, de nos tornarmos na árvore e na baleia através de um processo muito simples: a extração intencional da nossa atenção. Existem empresas que perceberam que somos mais lucrativos se passarmos mais tempo a olhar para o ecrã de um telemóvel do que a materializar a génese de todo o ser humano – conviver em presença física. 

Falar hoje de inteligência artificial é falar de uma ferramenta controladora e submissiva da vontade humana que, acima de tudo, pretende descobrir a melhor forma de captar a nossa atenção para o que pretendem que nós vejamos, afastando-nos dos nossos objetivos, valores e aspetos consistentes da vida. O automóvel organizou significativamente a nossa vida, as cidades e a forma como passámos a deslocar-nos. Depois veio a tecnologia digital. Se o primeiro tem-se revelado pernicioso pelo impacto negativo sobre o ambiente a segunda tem-se caraterizado pela elevada manipulação que exerce sobre os cidadãos. Para mim, o computador foi das mais notáveis ferramentas que se inventou e a internet um enorme centro comercial, local, onde quem procura tudo encontra, porém, em vez de se tornar na ferramenta mais certa tornou-se na coisa mais fixe, e aí começou o problema. Sem que percebêssemos, as empresas do ramo criaram um modelo de negócio que consiste na extração de atenção tornando cada um de nós um recurso extraível. O princípio, foi igual a de todas as invenções, perante o que já existia alguém se atreveu a dizer que consegue fazer melhor. Do espírito crítico nasceu a melhoria, mas a melhoria deu origem a uma via rápida para a distopia da qual urge sairmos o mais depressa possível. No início percecionei que se tratava de uma ferramenta para o bem, e, verdade seja dita, veio criar mudanças significativas e sistémicas para o mundo, graças a plataformas informáticas, todavia, temos tardado a alcançar o lado “negro” da modernidade. Sem que demos conta, estas coisas libertaram-se e ganharam vida própria, e acabaram por se desviar do objetivo para que foram criadas.

A saúde mental e a utilização exagerada das redes sociais caminham lado a lado. A viciação em dispositivos eletrónicos e o isolamento humano numa bolha de ilusão, a leste de tudo o que nos rodeia, tem feito de nós uma geração de “Zômbis” que passa os dias a olhar para o telemóvel sem perceber que toda esta tecnologia nos está a ameaçar enquanto sociedade e a definir-nos enquanto seres pensantes. Tenho diversas aplicações no meu telemóvel, mas, por opção consciente, não as utilizo por achar que é uma perda de tempo e uma inutilidade: agradeço a diversidade, mas recuso informação que não é oportuna e muito menos importante para mim… 

REDES SOCIAIS II

…Retomo o tema do último artigo pela importância que lhe atribuo e a atualidade que representa. A chegada da era das redes sociais provocou coisas que ainda mal começámos a compreender e apresentam problemas com os quais ainda mal começámos a lidar. Hoje, a única coisa que podemos dizer com certeza, sobre o advento das novas tecnologias, é que as pessoas subestimaram o seu impacto a curto prazo e a longo prazo. Existem agora poucas dúvidas, depois do frenesim inicial, de que todos subestimámos o que a internet e as redes sociais fariam às nossas sociedades. Com a instalação de um certo capitalismo de vigilância, tivemos que tentar aprender a viver num mundo global em que, a ligação online se tornou primária e, a qualquer momento, possamos estar a falar com uma pessoa ou com milhões em todo o mundo. A noção de espaço privado e espaço público sofreu uma erosão completa, onde uma conversa destinada a um grupo se torna conhecida de um outro grupo sem noção do contexto original da discussão. Sem que dessemos conta, passámos da era da informação para a era da desinformação, ao ponto de deixamos de ter um ambiente tecnológico baseado em ferramentas para um ambiente tecnológico baseado em vícios e manipulações, minando os laços socias nos quais a sociedade funciona. O que se passa na indústria da tecnologia? Há um rol de queixas e escândalos: roubam-nos os dados, incutem-nos o vício em tecnologia, plantam notícias falsas, radicalizam posições, humilham-se pessoas e pirateiam eleições. Mas há algo sob todos estes problemas que está a fazer com que tudo aconteça ao mesmo tempo. Devemos perguntar se isto é normal ou fomos enfeitiçados? É fundamental as pessoas perceberem como é que isto funciona e fazerem uma espécie de toque a rebate porque o que vemos à nossa volta são legiões de pessoas viciadas e afetadas com pensamentos involuntários, porque um designer do Google concebeu um sistema de notificações no ecrã para o qual as multidões olham todos os dias incessantemente, sem que o setor tenha leis eficazes sobre privacidade digital, que possam defender os interesses dos utilizadores em detrimento dos interesses milionários dessas empresas.

Muitos pensam que o Google é apenas uma caixa de pesquiza e o Facebook um sítio para ver o que fazem os nossos amigos e ver as fotos deles e, como tal, não há nada de mal nisso. Quando penso em como algumas empresas funcionam, respondo – há e muito. A Internet está cheia de serviços que consideramos grátis e que competem pela nossa atenção. Mas não são grátis, são pagos por anunciantes. Porque é que os anunciantes lhes pagam? Pagam em troca de nos mostrarem os anúncios deles. Logo, os anunciantes são os clientes e nós a coisa que é vendida, logo somos o produto. A nossa atenção é o produto que é vendido a anunciantes. Nada mais há em cima da mesa e é a única coisa que têm para ganhar dinheiro. Tudo isto começa com um grande desígnio: eu preciso de muita informação, mas na verdade, não preciso. Do outro lado do ecrã está um enorme “Big Brother”, que monitoriza, acompanha, mede e regista todas as coisas que já fizemos e quanto tempo o fizemos, todos os cliques, todos os vídeos, todos os gostos, tudo é trazido de volta à construção de um modelo cada vez mais preciso, mais afinado para poderem prever as nossas ações no maior esquema de manipulação de massas inventado. E no final, quem tiver o melhor modelo ganha tudo. As empresas em Silicone Valey conseguiram alterar o nosso comportamento. Conseguiram com que passemos o dedo pelo ecrã, continuamente, de baixo para cima, em busca de algo novo, sempre novo, sempre atualizado, sempre num reforço intermitente positivo. Simbolicamente, racharam-nos o crânio e plantaram gentilmente um hábito inconsciente para que sejamos programados a um nível mais profundo, sem nos apercebemos. Conseguiram alterar o nosso comportamento e as emoções do mundo real, colocando o engano e a fraude em tudo o que fazem, sem despertar a nossa consciência, enquanto utilizadores.  

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