TANTO MAR

A honestidade e integridade são uma parvoíce que alguém inventou e atualmente caiu em desuso. Caminhamos a galope para uma certa normalidade e aceitação da trafulhice. Da verdade nós não esquecemos, já da mentira a tendência é para a esquecemos e a tolerarmos, gostamos dela e ponto final. É muito útil, estrategicamente estruturante na nossa vida, e se daí aprouver vantagem o mergulho é mesmo de cabeça. E enquanto isto não acaba, vamos semeando campos de inveja e coartando a ambição e a esperança nas nossas vidas.Ouvindo as notícias sobre o roubo de armas Tancos percebe-se que ainda não batemos no fundo, mas que estamos muito bem encaminhados, estamos. Quando a instituição militar, com todo o seu prestígio e estatuto, se deixa envolver em ladainhas de polícias e ladrões muito mal vai a paróquia. Depois do episódio das cantinas da força aérea envolvendo altas patentes, Tancos, espanta e desencanta até os mais incrédulos. O cómico revela-se como de costume – ninguém viu nada, ninguém ouviu nada e ninguém sabe de nada, o hilariante vem sob um nebuloso discurso apaziguador que avança com a hipótese de nem sequer ter havido roubo. É mesmo nada de nada e o produto de uma infinita intencionalidade. Para completar o menu, o Ministro da Defesa assume promessas e puxa a responsabilidade politica para si mas sem se molhar. Quanto ao Primeiro-ministro já percebemos a sua resiliência intrínseca, aguenta, aguenta, apoia e subscreve. Podemos puxar pela memória sem grande esforço e desfilar um rol de pérolas destas e outras similares, episódios dos quais não encontramos motivos para nos orgulharmos, todavia, encontramos um padrão comportamental num certo dirigismo nacional: aproveitamento dos cargos e instituições públicas para benefício próprio. Em todas as situações encontramos leviandade, inabilidade, impreparação e acima de tudo muita falta de ética, num caldo de pobreza e miséria de caráter que criam estruturas para não se sair delas onde a corrupção, atrevo-me a afirmar, é quem mais ordena. A novidade, e que constituía o grande tabu até há pouco tempo, é a contaminação da esquerda caritativa com estes pecadilhos terrenos. Nem os partidos do protesto, tão zelosos no passado, mas surdos e mudos no presente, conseguem rebelar-se contra o poder deste tempo – a corrupção – que teima em crescer e em expandir-se, colonizando toda a nossa vida. Estamos num ponto em que, após cada barraca temos a veleidade de esperar pela próxima e, quando isto apodrecer de vez, temos sempre que começar de novo e entrar nas penas, no âmago da essência das coisas e provocar dor para as resolver. Sem particularizar, a sociedade portuguesa necessita urgentemente de um banho de moralização tal o nível de descrebilização a que chegou. Alarmista? A comunicação social já me poupou a isso com tanta informação, contrainformação, mentiras infiltradas em verdades e toda uma panóplia de ingredientes que apenas me remetem para a condição de observador interessado e atento ao que se passa à minha volta. No melhor dos casos, a minha opinião não acrescenta nem tira nada à moralidade e, perante todas as peripécias com que nos vão presenteando, coincidência ou não, no momento em que escrevo este artigo, contacto com a “próxima barraca”: subalugamento a terceiros, de casas atribuídas a militares. Socorro-me de uma música do Chico Buarque – “TANTO MAR”, para lembrar como “foi (é) bonita a festa pá”! A alteração à letra é minha, acho mais ajustado e, só não tenho uma vida mais angustiada porque não tenho Facebook, mas às vezes não consigo ficar imune aos sons…que oiço e me vão chegando.

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